sexta-feira, 25 de março de 2016

Sobre «O Universo Concentracionário» de David Rousset

por José Marmeleira em " Um dos primeiros testemunhos do terror nazi", Ípsilon/Público, 25 Março 2016 

Um dos primeiros testemunhos do terror nazi, O Universo Concentracionário, de David Rousset ( !912-1997), conclui-se com um aviso. Escreve o autor francês (112): " A sociedade alemã, quer devido à sua estrutura económica quer à dureza da crise que a arruinou, conheceu uma decomposição ainda excepcional na actual conjuntura do mundo. Mas seria fácil mostrar que os traços mais característicos, não só da mentalidade S.S. como também dos alicerces sociais, se encontram em muitos outros sectores da sociedade mundial. (...) Seria um logro, e criminoso, pretender que é impossível aos outros povos fazerem experiência semelhante por terem uma natureza diferente ". Este é um homem em sobreaviso. Nada garante que o que aconteceu permaneça para uma excepção ou irrepetível. Nada.
Ditado por Rousset a mulher em 1945, o ano da sua libertação do Campo Wöbbelin (Norte da Alemanha), o Universo Concentracionário pretende ser uma descrição objectiva [...]
David Rousset começa por descrever, dum ponto de vista cimeiro, uma mescla de corpos e máquinas, terra e morte. O olhar descerá, depois, sobre os cadáveres e torpedos que se confundem com as imundícies, os ventres gelados que os gritos e as pancadas sacodem.
Buchenwald, onde foi encerrado em 1943, é uma cidade isolada que "vive sob o signo de um enorme humor, de uma palhaçada trágica". Chegados à cidade, os detidos saltam dos vagões, como "bonecos de corda partida", "cegos de golpes", "pegajosos de medo". Arrastam-se pelos corredores kafkianos e seguem para os barracões onde, despidos de tudo, serão vacinados sob rajadas de vento. [...]
Os campos que o autor conheceu (Buchenwald, Neuengamme, Porta Westfalica, Wöbbelin) não eram de extermínio, mas entre eles e Auschwitz a diferença era de grau, não de natureza. Em todos se enforcavam homens. A entrada no universo concentracionário já se fez. Aqui vigoram as leis da vida biológica, a competição encarniçada pela sobrevivência. As idades, as profissões, as posições sociais, as biografias desfazem-se lentamente. "O velho é um objecto de escárnio e de desprezo, por causa da fraqueza. A única coisa que conta é o poder" (p. 46) [...]
Mas seria indigno de Universo Concentracionário (fonte incontornável de As Origens do Totalitarismo, De Hannah Arendt), concluir este texto sem lembrar a insistência dos detidos políticos em falar e conversar, apesar das ameaças, e as palavras que Rouusset dedica aos que permanecem firmes. Erich, Emil, Kurt, que nunca bateram em ninguém, Walter, que continuou sensível, Ernest, simpático, que manteve uma vida sã, normal. Todos mantiveram incólume a sua dignidade naquele inferno.
David Rousset (no centro da foto, de óculos)



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