sexta-feira, 11 de março de 2016

Os campos de concentração

O campo encontrava-se cercada por duas ou três vedações de arame farpado, geralmente electrificados, intersectadas por torres de vigias, onde havia guardas armados de metralhadoras que mantinham sob vigilância, de dia e noite, o perímetro do campo. Tinha de existir apenas um portão no campo, por cima do qual estava habitualmente inscrito: Arbeit macht frei (O trabalho liberta).
Os detidos que chegavam eram levados para uma área onde eram postos de quarentena (um quarto, uma cabana ou uma tenda). Aí eram totalmente despidos; muitas vezes tomavam um duche e eram desinfectados, sendo o cabelo completamente rapado. Por fim, eram registados e tatuados. Os «números mais baixos» eram, por sonseguinte, os deportados que tinham sobrevivido durante mais tempo, eram tidos em grande consideração pelos restantes e ocasionalmente eram-lhes dadas pequenas vantagens,
De seguida era-lhes dada roupa de deportados – o famoso «pijama» às riscas. Nos primeiros tempos, os deportados trocavam de roupa de modo a terem uma que lhes servisse. Nos anos finais, como já se tratava de roupas recuperadas àqueles que tinham sido seleccionados, muitas vezes não eram mais do que farrapos.
Após algum tempo, os novos detidos eram mandados para um bloco e incluídos num Kommando. O bloco era constituído por um conjunto de cabanas, geralmente de madeira, onde os internados dormiam em beliches de madeira com vários andares. Tinham de dormir várias pessoas no mesmo andar e tinham de se deitar de lado para caberem. Estes beliches podiam ter colchão, enchidos com um pouco de palha, mas o mais comum era nem sequer terem nada ou no máximo terem um cobertor. O bloco não tinha instalações sanitárias. Em certos casos, existia um balde ou uma bacia – que, quando limpa, podia servir para o «café» da manhã. À noite os detidos estavam proibidos de se ausentarem do bloco para irem às latrinas: aqueles que arriscavam a saída podiam ser mortos se fossem apanhados. O bloco era dirigido pelos «mais velhos» (Eltern) – escolhidos pelos guardas: era responsabilidade dos Eltern destinarem os beliches e manterem a ordem no bloco. A prática rapidamente demonstrou que os deportados «políticos» se comportavam de uma forma muito mais humana nesse papel do que os criminosos comuns. Os Kommandos eram grupos de trabalho. Alguns eram permanentes, outros temporários, dependendo da natureza do trabalho que efectuavam. Também existiam Kommandos  disciplinares. Mas o essencial na sobrevivência no trabalho não era necessariamente a sua natureza ou grau de dificuldade; era antes a personalidade do Kapo que dirigia o Kommando. Alguns desses, os criminosos comuns, agiam de forma brutal, ocasionalmente, quando o Kommando saía demanhã para o trabalho, os guardas das SS instruíam o Kapo para regressar com um determinado número de mortos; cabia-lhe a escolha das vítimas, de onde e como seriam mortas.
Cada farda tinha a marca da sua categoria; o triângulo verde indicava os criminosos comuns. Eram estes que constituíam a maioria dos kapos – em alguns casos isso levou a alguns melhoramentos nas condições de detenção.
Havia triângulos de outras cores: preto, para os «a-sociais»; castanho, para os Ciganos; azul, para os apátridas; cor-de-rosa, para os homossexuais; e púrpura para as Testemunhas de Jeová.
Contudo, o triângulo amarelo era de longe a marca mais vista e era usada pelos judeus. Eram eles que constituíam o grosso daqueles que, em Auschwitz, e depois nos outros campos, eram apelidados de «Muselmanner» (muçulmanos): particularmente fragilizados pela fome (as rações diárias eram compostas por uma tigela do famoso caldo ralo e por um pequeno pedaço de «pão», cujo número de calorias, em teoria, era calculado para não garantir a sobrevivência), a longa sessão de chamada pela manhã, as caminhadas até aos locais de trabalho, o trabalho árduo e os espancamentos frequentes, estes homens perdiam toda a dignidade de toda e qualquer consciência, à excepção da fome; perdiam a capacidade de pensar e de falar.
Em termos gerais, a luta pela sobrevivência isolou cada um dos deportados, que tinha de lutar para conservar aquilo que possuía (roupa, sapatos, tigela, colher, um pedaço diário de pão; afastar os olhos desses bens, por um momento, representava a possibilidade de ser roubado) e de tentar obter suplementos de todas as formas possíveis.
(…) No campo, os dias seguiam um ritual inalterável: levantar, limpar o bloco, distribuição do «café» e do pedaço diário de pão. Após uma higiene rudimentar, os prisioneiros tinham de se apresentar no pátio para a chamada. Em fila, todos os internos eram chamados pelo seu número de registo. Se o registo da chamada estivesse incompleto, recomeçavam a chamada – tantas vezes quantas as necessárias até estar completa. Por esta razão, assim sendo a chamada podia durar horas, independentemente do estado do tempo.
Se a noite anterior tivesse ocorrido um incidente ou uma fuga, o sofrimento era sistematicamente prolongado.
Após a chamada completa, os kommandos partiam para o trabalho. Em determinados campos existia uma orquestra de deportados que tocava quando partiam e quando regressavam à noite. O dia de trabalho 8de 8-9 horas no  Inverno e de 10-12 no Verão) era interrompido apenas para a distribuição da sopa. À noite era feita nova chamada, seguida do regresso aos blocos. De tempos a tempos, os deportados eram autorizados a tomar um banho.
Certas funções ou certos kommandos ofereciam uma maior possibilidade de sobrevivência: a enfermagem, o serviço de cozinha, e os serviços auxiliares 8por exemplo, Primo Levi foi utilizado como farmacêutico). Quando os kommandos trabalhavam no exterior do campo, era raro que não fossem ajudados por algum trabalhador local compadecido. Os responsáveis pela entrega de sopa aos Kommandos comiam os poucos bocados de carne que esta tinha. À parte da capacidade de realizar trabalhos muito especializados, para sobreviver, era necessário ter o velho ou o kapo do seu lado, e para que tal sucedesse, isso era muitas vezes conseguido à custa dos demais. Era frequente a prostituição, tanto feminina, quanto masculina (e não apenas por parte de homossexuais) – com os SS, auxiliares locais, os velhos ou kapos, ou os deportados «privilegiados».

J. M. Lecomte, Ensinar o Holocausto no Século XXI, Via Occidentalis, 2007, pp. 121-125 
(livro disponível na biblioteca da escola, na estante "Estudos do Holocausto/Shoá") 



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