Ainda antes de 1942, os judeus foram obrigados
a entregar às autoridades não apenas os aparelhos de rádio, como as suas jóias,
pratas, peles e tudo quanto tivesse valor. Que mais haveria ainda para lhes
tirar? Por incrível que pareça a resposta é «os animais de estimação», esses
pequenos e inocentes amigos que tantas vezes são a única alegria que nos resta
num mundo envolto em trevas. Para alguns, em especial para as crianças e
velhos, foi este o golpe mais duro. No dia aprazado, lá iam eles nos eléctricos,
os rostos brancos, a tentar sufocar as lágrimas, agarrados aos pequenos volumes
que deviam entregar nos centros de recepção: porquinhos-da-índia, hamsters, ratinhos
brancos, tartarugas e, claro está, gaiolas com pássaros. Os mais difíceis eram
os cães e os gatos, que gritavam durante todo o percurso, como se soubessem. O
pai de Paul, um cavalheiro alto, tranquilo e sempre muito digno, foi obrigado a
entregar Pepicek, o canário de que tanto gostava. Nessa noite
parecia mais pequeno, mais enrugado e desamparado. (pp. 46-47)
Tempo para Falar, Planeta, 2013
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