quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Ainda! a noite de cristal.

Robert F. Wagner, senador norte-americano

Após o episódio da Noite de Cristal, o senador norte-americano Robert Wagner propôs que 20 mil crianças judias alemãs com menos de 14 anos pudessem emigrar para os EUA, escapando à Alemanha nazi - mas a sua proposta foi derrotada numa comissão do Congresso, sem chegar sequer a ir a plenário. Na verdade, 70% dos americanos opunham-se a esta ideia, recordou o New York Times, num outro aniversário deste episódio, citando o historiador David Wyman. Algumas crianças acabaram por sair da Alemanha - o Kindertransport levou 10 mil para o Reino Unido. Por vezes, as crianças (idade máxima 17 anos) eram as únicas sobreviventes da sua família.
Mas se a Alemanha nazi se queria ver livre do máximo possível de judeus, os restantes países não os queriam receber. O Presidente norte-americano, Franklin D. Roosevelt, tinha convocado para Junho de 1938 uma conferência sobre o problema do número crescente de judeus que fugia da perseguição nazi e procurava outros países para se refugiar, Durante uma semana, em Évian, França, delegados de 32 países e 39 organizações privadas trocaram desculpas para não receber refugiados - a conferência foi um fracasso, embora se tenha criado o Comité Intergovernamental para os Refugiados, para acompanhar a situação.
Tal como hoje, vivia-se um período de depressão económica, e a possibilidade de entrada de milhares de emigrantes judeus configurava uma ameaça de concorrência pelos empregos que já faltavam. A estes motivos económicos juntavam-se os preconceitos raciais enraizados relativamente aos judeus - que não existiam apenas na Alemanha.
Apenas a República Dominicana aceitou receber mais refugiados, lê-se no sitedo Museu do Holocausto dos Estados Unidos. Em 1939, Londres restringiu as quotas de imigração para a Palestina, então sob mandato britânico - mas o resultado foi que aumentou a imigração clandestina de refugiados judeus. Os britânicos interceptam-nos e colocam-nos em campos - tal como acontece hoje aos imigrantes que tentam entrar, de barco, pela costa Sul europeia.
retirado daqui

Felix Nussbaum

Felix Nussbaum, “Camp Synagogue at Saint Cyprien”, 1941

9 de Novembro de 1939, a noite de cristal, ou o princípio do holocausto


TOTENBUCH

Com horror

haveríamos de encontrar o círculo negro da história,
o arquivo inabitável, irrespirável.

É amoral o gesto de quem regista,
assinala óbitos, assepsias, extermínios.

Um forno não é um forno
e um chuveiro não é mais um chuveiro.

O funcionário que regista tem
por dedos lâminas rombas.

Desenha com método. Anota com desvelo.



Luís Quintais, Depois da Música (Tinta da China, 2013), p. 28.

domingo, 6 de novembro de 2016

Leonard Cohen

Paul Celan

Czernowitz, cidade natal de Paul Celan

NEGROS
como a ferida da memória,
se agitam os olhos para ti
no país da coroa, em luz
mordido pelos dentes-coração,
que é ainda nosso leito:

por esta cova tu tens de vir -
tu vens.

No sentido-
-sémen
enche-te o mar de estrelas, bem no fundo, para sempre.

O atribuir nomes conhece um fim,
sobre ti lanço o meu destino.

Não Sabemos mesmo O Que Importa, Trad. Gilda Lopes Encarnação, Relógio D'Água, 2014

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Nicholas Winton, a discrição de um herói

Aristides de Sousa Mendes, desobediente exemplar

Aristides de Sousa Mendes e família

Mais sobre Aristides de Sousa Mendes em (disponível na biblioteca da escola):



Ou aqui:

Henry David Thoreau

As leis injustas existem. Deveremos nós contentar-nos com obedecer ou devemos antes fazer tudo para as emendarmos? Deveremos cumpri-las até conseguirmos emendá-las ou deveremos transgredi-las sem mais?

A Desobediência Civil, Trad. Manuel João Gomes, Antígona, 2015, p. 27

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Eduardo Galeano

«Até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caçadas continuarão glorificando o caçador.»


Maria Filomena Molder

« (...) Lembro-me da descrição muito breve, num texto de Primo Levi, de uma criança que tinha nascido num campo de concentração e tinha ficado sem mãe. E ninguém a ensinou a falar. Aos três anos andava como um zombie, era uma figura do horror.»

foto de Pat Brassington


em entrevista concedida ao «Expresso» em 06.06.2016

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

«O comboio do Luxemburgo»

Vivemos tempos conturbados e assistimos diariamente ao drama dos refugiados sírios e de todos os que, tentando fugir da guerra e da morte, procuram desesperadamente chegar à Europa. Infelizmente nada disto é novo e, ciclicamente, quando lutas pelo poder, questões ditas religiosas ou étnicas e interesses económicos se sobrepõem aos interesses da Humanidade, a guerra alastra, e todos os que se vêem envolvidos por esse turbilhão de morte e destruição querem escapar dele a qualquer custo.
Foi assim, na década de 1990, com os refugiados bósnios e foi assim com a perseguição aos arménios, já na segunda década do século XX, século dos refugiados, como assinalou Hannah Arendt, ao referir-se aos judeus e a outros perseguidos pela Alemanha nazi, situação que se intensificou exponencialmente após a invasão da Europa pelos alemães, entre Maio e Junho de 1940.
Portugal - apesar de viver então em ditadura - tentou manter durante quase todo o conflito mundial uma estrita neutralidade. Lisboa, de onde partiam o Clipper para Nova Iorque e navios para quase todo o mundo, tornou-se no destino mais desejado para quem fugia aos horrores da guerra e do nazismo. O governo português, à semelhança do que era feito então noutros países - e à semelhança do que hoje se continua a fazer em toda a Europa - tentou controlar ao máximo a entrada de refugiados em Portugal, enviando para os seus consulados várias circulares que restringiam a emissão de vistos no país, e estes eram apenas de trânsito provisório e nunca de exílio definitivo.
Mas, nem sempre as coisas correm como se espera e a actuação pontual de vários diplomatas e, sobretudo, a desobediência de Aristides de Sousa Mendes, cônsul de Portugal em Bordéus - que ignorou as ordens recebidas do Ministério dos Negócios Estrangeiros, ou seja, de Salazar -, levaram a que nas últimas semanas de Junho de 1940 chegassem diariamente às fronteiras portuguesas milhares de pessoas com vistos para Portugal. Alertado pelas autoridades inglesas e espanholas para este estado de coisas e temendo não conseguir lidar com uma situação caótica para a qual não estava preparado, o governo português tomou várias providências, de que resultaram o encerramento da fronteira espanhola de Irun, bem como provisoriamente da portuguesa de Vilar Formoso, e a anulação dos vistos emitidos por Sousa Mendes.
A vinda de comboios, organizados com o apoio da Gestapo, provenientes do Luxemburgo com refugiados judeus, entre Agosto e Outubro desse ano de 1940, veio depois a criar sobressaltos entre a PVDE e o governo português, já que muitos dos passageiros vinham indocumentados ou não possuíam vistos válidos para embarcar em Portugal com destino a outras paragens. No entanto, o esforço das organizações judaicas a actuar em Lisboa acabou por conseguir fazê-los entrar no país.
Contudo, em Novembro de 1940, um terceiro comboio proveniente do Luxemburgo trazendo a bordo cerca de 300 judeus e escoltado por membros armados da Gestapo não teve a mesma sorte. Impedidos de pisar solo português (...) estas pessoas ficaram cerca de dez dias encerradas nas carruagens, sob um frio intenso e alimentando-se do que a população pobre da zona lhes conseguia oferecer: pão, café e às vezes sopa.
Ao fim de dez dias deste verdadeiro calvário e já com negociações para os instalar provisoriamente no Luso, o governo português acabou por lhes negar a entrada. De regresso a França, estiveram ainda vários dias no comboio até os alemães decidirem interná-los em Mouserolles, perto de Baiona, num antigo campo de internamento para republicanos espanhóis durante a Guerra Civil.
Libertados meses depois, muitos conseguiram partir para outras paragens. Outros acabaram por ficar na França de Vichy. Destes, poucos sobreviveram aos campos de extermínio.

Do Preâmbulo de Margarida de Magalhães Ramalho a O comboio do Luxemburgo 

Vilar Formoso Fronteira da Paz

disponível na biblioteca da escola

mais aqui