O
campo encontrava-se cercada por duas ou três vedações de arame farpado,
geralmente electrificados, intersectadas por torres de vigias, onde havia
guardas armados de metralhadoras que mantinham sob vigilância, de dia e noite,
o perímetro do campo. Tinha de existir apenas um portão no campo, por cima do
qual estava habitualmente inscrito: Arbeit
macht frei (O trabalho liberta).
Os
detidos que chegavam eram levados para uma área onde eram postos de quarentena
(um quarto, uma cabana ou uma tenda). Aí eram totalmente despidos; muitas vezes
tomavam um duche e eram desinfectados, sendo o cabelo completamente rapado. Por
fim, eram registados e tatuados. Os «números mais baixos» eram, por
sonseguinte, os deportados que tinham sobrevivido durante mais tempo, eram tidos
em grande consideração pelos restantes e ocasionalmente eram-lhes dadas
pequenas vantagens,
De
seguida era-lhes dada roupa de deportados – o famoso «pijama» às riscas. Nos
primeiros tempos, os deportados trocavam de roupa de modo a terem uma que lhes
servisse. Nos anos finais, como já se tratava de roupas recuperadas àqueles que
tinham sido seleccionados, muitas vezes não eram mais do que farrapos.
Após
algum tempo, os novos detidos eram mandados para um bloco e incluídos num Kommando. O bloco era constituído por um
conjunto de cabanas, geralmente de madeira, onde os internados dormiam em
beliches de madeira com vários andares.
Tinham de dormir várias pessoas no mesmo andar
e tinham de se deitar de lado para caberem. Estes beliches podiam ter colchão,
enchidos com um pouco de palha, mas o mais comum era nem sequer terem nada ou
no máximo terem um cobertor. O bloco não tinha instalações sanitárias. Em
certos casos, existia um balde ou uma bacia – que, quando limpa, podia servir
para o «café» da manhã. À noite os detidos estavam proibidos de se ausentarem
do bloco para irem às latrinas: aqueles que arriscavam a saída podiam ser
mortos se fossem apanhados. O bloco era dirigido pelos «mais velhos» (Eltern) – escolhidos pelos guardas: era
responsabilidade dos Eltern destinarem
os beliches e manterem a ordem no bloco. A prática rapidamente demonstrou que
os deportados «políticos» se comportavam de uma forma muito mais humana nesse
papel do que os criminosos comuns. Os Kommandos
eram grupos de trabalho. Alguns eram permanentes, outros temporários,
dependendo da natureza do trabalho que efectuavam. Também existiam Kommandos disciplinares. Mas o essencial na
sobrevivência no trabalho não era necessariamente a sua natureza ou grau de
dificuldade; era antes a personalidade do Kapo
que dirigia o Kommando. Alguns
desses, os criminosos comuns, agiam de forma brutal, ocasionalmente, quando o Kommando saía demanhã para o trabalho,
os guardas das SS instruíam o Kapo
para regressar com um determinado número de mortos; cabia-lhe a escolha das
vítimas, de onde e como seriam mortas.
Cada
farda tinha a marca da sua categoria; o triângulo verde indicava os criminosos
comuns. Eram estes que constituíam a maioria dos kapos – em alguns casos isso levou a alguns melhoramentos nas condições
de detenção.
Havia
triângulos de outras cores: preto, para os «a-sociais»; castanho, para os
Ciganos; azul, para os apátridas; cor-de-rosa, para os homossexuais; e púrpura
para as Testemunhas de Jeová.
Contudo,
o triângulo amarelo era de longe a marca mais vista e era usada pelos judeus.
Eram eles que constituíam o grosso daqueles que, em Auschwitz, e depois nos
outros campos, eram apelidados de «Muselmanner» (muçulmanos): particularmente
fragilizados pela fome (as rações diárias eram compostas por uma tigela do
famoso caldo ralo e por um pequeno pedaço de «pão», cujo número de calorias, em
teoria, era calculado para não garantir a sobrevivência), a longa sessão de
chamada pela manhã, as caminhadas até aos locais de trabalho, o trabalho árduo
e os espancamentos frequentes, estes homens perdiam toda a dignidade de toda e
qualquer consciência, à excepção da fome; perdiam a capacidade de pensar e de
falar.
Em
termos gerais, a luta pela sobrevivência isolou cada um dos deportados, que
tinha de lutar para conservar aquilo que possuía (roupa, sapatos, tigela,
colher, um pedaço diário de pão; afastar os olhos desses bens, por um momento,
representava a possibilidade de ser roubado) e de tentar obter suplementos de
todas as formas possíveis.
(…)
No campo, os dias seguiam um ritual inalterável: levantar, limpar o bloco,
distribuição do «café» e do pedaço diário de pão. Após uma higiene rudimentar,
os prisioneiros tinham de se apresentar no pátio para a chamada. Em fila, todos
os internos eram chamados pelo seu número de registo. Se o registo da chamada
estivesse incompleto, recomeçavam a chamada – tantas vezes quantas as
necessárias até estar completa. Por esta razão, assim sendo a chamada podia
durar horas, independentemente do estado do tempo.
Se
a noite anterior tivesse ocorrido um incidente ou uma fuga, o sofrimento era
sistematicamente prolongado.
Após
a chamada completa, os kommandos
partiam para o trabalho. Em determinados campos existia uma orquestra de deportados
que tocava quando partiam e quando regressavam à noite. O dia de trabalho 8de
8-9 horas no Inverno e de 10-12 no
Verão) era interrompido apenas para a distribuição da sopa. À noite era feita
nova chamada, seguida do regresso aos blocos. De tempos a tempos, os deportados
eram autorizados a tomar um banho.
Certas
funções ou certos kommandos ofereciam
uma maior possibilidade de sobrevivência: a enfermagem, o serviço de cozinha, e
os serviços auxiliares 8por exemplo, Primo Levi foi utilizado como farmacêutico).
Quando os kommandos trabalhavam no
exterior do campo, era raro que não fossem ajudados por algum trabalhador local
compadecido. Os responsáveis pela entrega de sopa aos Kommandos comiam os poucos bocados de carne que esta tinha. À parte
da capacidade de realizar trabalhos muito especializados, para sobreviver, era
necessário ter o velho ou o kapo do seu lado, e para que tal
sucedesse, isso era muitas vezes conseguido à custa dos demais. Era frequente a
prostituição, tanto feminina, quanto masculina (e não apenas por parte de
homossexuais) – com os SS, auxiliares locais, os velhos ou kapos, ou os
deportados «privilegiados».
J. M. Lecomte, Ensinar
o Holocausto no Século XXI, Via Occidentalis, 2007, pp. 121-125
(livro disponível na biblioteca da escola, na estante "Estudos do Holocausto/Shoá")