Desde que Margarete Buber-Neumann conheceu Milena Jesenská, célebre amante de Kafka, no campo de concentração de Ravensbrück, que ela lhe pareceu tomada pela fome e pela doença. No entanto, Milena tinha os mesmos gestos graciosos, o mesmo olhar atento, a mesma civilidade como se se houvessem encontrado numa cidade em tempo de paz. O núcleo do ser de Milena mantivera-se irredutível, intacto.
Milena era prisioneira política, vinda dos meios de esquerda europeus e simpatizante do comunismo. O que suscitava a sua curiosidade no campo era a URSS. Margarete Buber-Neumann tinha sido deportada pelas forças soviéticas de Kazakhstan. Em 1940, a polícia estalinista «confiara-a» à Gestapo que a torturou durante meses, antes de a enviar para Ravensbrück. Aí, Buber-Neumann foi tratadacomo traidora pelas prisioneiras comunistas, encontrando-se numa absoluta solidão. Mas foi até esta mulher completamente isolada a quem Milena se dirigiu, porque queria saber a verdade sobre a União Soviética. Em pleno campo de concentração, ela não queria nem o conforto da ideologia nem o calor do grupo. Escolheu estar no campo como se estivesse numa missão jornalística. Interrogou Margarete durante dias seguidos. Não temeu os guardas, ou o ostracismo em que incorria tornando-se amiga de uma «traidora» ou o despojamento de crenças promissoras de felicidade. Milena tinha esta qualidade superior que é a liberdade interior que depende do que Hannah Arendt chama de «inteligência desinteressada». Esta forma de permanecer ela mesma enfurecia não os oficiais alemães, mas as outras prisioneiras comunistas que, depois de Buber-Neumann, adquiriram a mania e o amor à ordem [...].
Será que Milena provou uma força superior nesta espécie de prova? Nunca utilizo a palavra «forte» para designar os outros. Principalmente porque a palavra me parece cheia de reminiscências darwinistas que, no fundo, são uma filosofia da natureza que divide os organismos em fortes e fracos e que encara a força como um mecanismo natural, inelutável e necessário. Ao darwinismo podemos colocar duas objecções: por um lado, é pelos fracos, os doentes, os inadaptados que se bate o nosso coração, se emociona e se inquieta. Os fortes nunca despertaram o menor sentimento moral. Por outro lado, os fracos, como a rosa da fábula, têm uma força muito mais interessante do que a dos fortes: porque não dominam a paisagem com um tronco espesso e com uma folhagem abundante, eles podem «dobrar-se» ao vento, quer dizer, nem perder as pétalas nem a raiz. Em suma, a força das rosas consiste em permanecerem elas mesmas durante a tempestade. Milena não fez parte dos fortes que sobreviveram. Morreu em 1944 em Ravensbrück. No entanto, ela é para mim a rosa cuja humanidade não é vencida pela tempestade.
Tradução minha, livre e algo apressada, do artigo «Milena Jesenská - La persévérance du rouseau» da autoria de Eva Illouz, socióloga, professora na Universidade hebraica de Jerusálem, pubicado na revista «philosophie», Nº 98, Avril 2016
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