As crianças foram assim arrancadas aos pais em verdadeiros cenários de horror: «Os pais, levados ao desespero, vagavam como dementes, as mães resistiam como leoas. Muitos preferiam matar os filhos com as próprias mãos; sufocavam-nos no último abraço ou atiravam-nos em poços ou rios, suicidando-se em seguida.» Condoídos, muitos cristãos escondiam crianças judias para poupar os pais a tal sofrimento. «Os próprios cristãos», escreve um autor anónimo, «movendo-os a piedade, e em face dos bramidos e choros que os tristes pais e amorosas mães faziam por aqueles pedaços das suas entranhas que, à força, viam arrancar deles sem esperança de mais poder lograr, escondiam e salvavam as crianças». Fernando Coutinho, líder do partido clerical que no Conselho Real se opusera à expulsão, e mais tarde bispo de Silves escreverá uns anos depois: « Vi com os meus próprios olhos como muitos foram arrastados pelos cabelos à pia baptismal, como um pai, com a cabeça encoberta, sob dores e lamentações, acompanhou o seu filho e, de joelhos, clamou ao Todo-Poderoso que fosse testemunha de pai e filho, unidos como professos da lei mosaica, desejarem morrer como mártires do judaísmo. Vi actos ainda mais pavorosos, verdadeiramente incríveis, que lhes foram infligidos.»
Mas o terror das conversões forçadas ainda não acabara. Com a aproximação da data limite para a saída, em Outubro de 1497, três portos, Lisboa, Porto e Algarve foram designados para o embarque. Mas no último momento o rei mudou de opinião, restringindo-o a Lisboa. Cerca de vinte mil judeus juntaram-se então na cidade, sendo conduzidos ao palácio dos Estatus, no Rossio, onde antes de serem alvo de um baptismo colectivo foram sujeitos a todo o tipo de pressões e ameaças. Abraão Saba, médico, que já fora expulso de Castela em 1492 e aquel levaram dois filhos, conta que foram mantidos, nos Estatus, sem comer nem beber durante quatro dias, e que os que conseguiram resistir foram arrastados «pelas barbas e cabelos» até às igrejas, enquanto outros se suicidavam atirando-se das janelas. (pp. 28-30)
Esther Mucznik, Grácia Nasi - A Judia Portuguesa do Século XVI Que Desafiou O Seu Próprio Destino,A Esfera dos Livros, 2010
(brevemente na Biblioteca da Escola)
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