domingo, 9 de abril de 2017

Tonnino Guerra

Tonino Guerra (1920-2012)
A sua experiência no campo de concentração... Sabe, custa-me muito formular uma pergunta.
Era muito jovem e olhava para os sofrimentos com curiosidade. Nesse lugar terrível comecei a escrever poesia em dialeto (o romagnolo), pois essa era a língua dos operários, meus companheiros. Não tinha papel e todas as noites dizia os poemas para os manter na memória. No dia de Natal de 1944 não nos serviram o 'bròdo' (uma espécie de sopa) que era de tradição comer. E os meus companheiros pediram-me que falasse das comidas de Natal. Eu com palavras e gestos criei uma ceia de Natal, longa e deslumbrante, cheia de coisas saborosas que todos fingiam apreciar. Quando acabei de servir, de fingir que servia a 'tagliatèlla', deu-se uma cena comovente: um companheiro perguntou-me se podia comer um pouco mais.

E isso no meio daquele inferno. 
Lembro-me dos bombardeamentos, do barulho ensurdecedor, do medo... E de me pôr a pensar em qual seria a coisa que mais pena me fazia abandonar no mundo.

Mas aconteceu a libertação. 
No dia da libertação os portões do campo apareceram abertos e tinham desaparecido os jovens soldados alemães. Fomos todos até aos portões e faltava-nos a coragem de sair. Um prisioneiro avançou dois passos e voltou para trás de novo. A um certo ponto, três ou quatro desatamos a correr em direção a um bosque. Foi ali que tive uma das maiores alegrias da vida. Depois de todo aquele horror, fui capaz de olhar para uma borboleta sem vontade de a comer.

Que idade tinha? 
Vinte e dois ou vinte e três anos.


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