terça-feira, 11 de abril de 2017

EttY Hillesum

Felix Nussbaum
Terça-feira de manhã (8 de Junho de 1943)
«Acabo de subir para para cima de um caixote entre os arbustos para contar o número de vagões; são 35, e alguns de segunda classe mais à frente, para os guias. Os vagões de mercadorias não estavam completamente fechados; faltavam tábuas aqui e ali e pelas aberturas saíam mãos que acenavam, como as de pessoas a afogar-se.
O céu está cheio de pássaros, os tremoceiros- roxos têm um ar tão majestoso e sereno (,,,), o Sol iluminava-me o rosto e um genocídio é cometido mesmo diante dos nossos olhos; é tudo tão incompreensível.
Comigo está tudo bem.
beijos
Etty »
Etty Hillesum / Cartas

domingo, 9 de abril de 2017

Tonnino Guerra

Tonino Guerra (1920-2012)
A sua experiência no campo de concentração... Sabe, custa-me muito formular uma pergunta.
Era muito jovem e olhava para os sofrimentos com curiosidade. Nesse lugar terrível comecei a escrever poesia em dialeto (o romagnolo), pois essa era a língua dos operários, meus companheiros. Não tinha papel e todas as noites dizia os poemas para os manter na memória. No dia de Natal de 1944 não nos serviram o 'bròdo' (uma espécie de sopa) que era de tradição comer. E os meus companheiros pediram-me que falasse das comidas de Natal. Eu com palavras e gestos criei uma ceia de Natal, longa e deslumbrante, cheia de coisas saborosas que todos fingiam apreciar. Quando acabei de servir, de fingir que servia a 'tagliatèlla', deu-se uma cena comovente: um companheiro perguntou-me se podia comer um pouco mais.

E isso no meio daquele inferno. 
Lembro-me dos bombardeamentos, do barulho ensurdecedor, do medo... E de me pôr a pensar em qual seria a coisa que mais pena me fazia abandonar no mundo.

Mas aconteceu a libertação. 
No dia da libertação os portões do campo apareceram abertos e tinham desaparecido os jovens soldados alemães. Fomos todos até aos portões e faltava-nos a coragem de sair. Um prisioneiro avançou dois passos e voltou para trás de novo. A um certo ponto, três ou quatro desatamos a correr em direção a um bosque. Foi ali que tive uma das maiores alegrias da vida. Depois de todo aquele horror, fui capaz de olhar para uma borboleta sem vontade de a comer.

Que idade tinha? 
Vinte e dois ou vinte e três anos.